domingo, 13 de maio de 2012

Canto 3


FELIPA BAILANDO SOZINHA
Dança!
Dança à Reza Forte! Dança!
Dança à Noite Densa!
Dança e Uiva!
Grito e corte

Dança!
Assim... Girando...
Dança! Dança!
Não se importe...

Dança!
Dança à Lua Negra!
Dança á Treva!
Dança à sorte!


Dança!
Dança assim primeiro!
Dança o rito!
À Luz entorte!
Dança por inteiro!
Dança Louca!
Dança ao Sul!..
Dança ao Norte!..
Dança para a Mãe!
Dança! Dança!
Dança à Vida!
Dança à Morte!

JESUÍTA CHEGA E FICA DE LADO, CONTEMPLANDO FELIPA. ELE FALA, ELA RESPONDE, COMO SE FALASSE À LUA
Solidão...

FELIPA
Estava na rua.

JESUÍTA
Ecoa a cantiga


FELIPA
Estava na Lua.

JESUÍTA
A memória antiga,

FELIPA
Estava na Tua.

JESUÍTA
Na dor que fustiga.

FELIPA
Derrama a lava,

JESUÍTA
Flor que reduz

FELIPA
Treva que entrava.

JESUÍTA
Meu coração... expus....

FELIPA
O sagrado clama

JESUÍTA
Coração... Desculpe os rombos

FELIPA
O que vem das chamas.

JESUÍTA
Coração... Perdoe os tombos.

FELIPA
Coração... Psiu... Paciência...

JESUÍTA
Aguarda ela voltar

FELIPA
Psiu... Resistência...

JESUÍTA
Meu coração... Perdoa.

FELIPA
Mas tem que esperar.

JESUÍTA
Coração tonto... amigo,

FELIPA
Esquece o perigo,

JESUÍTA
Dorme em meu peito.

FELIPA
Esquece a dor,

JESUÍTA
Temor que atravessa.

FELIPA
Coração... Sorriso e taça

JESUÍTA
O Amor não passa.

FELIPA
Coração, não veja ameaça.

JESUÍTA
Ah! Coração... meu segredo.

FELIPA
A Ti peço, aqui num canto,

JESUÍTA
Sorria cego pro medo.

FELIPA
Esquece o provável pranto

JESUÍTA
Porque tão só me encontrei
A Ti procurei... e não achei

FELIPA
Porque... sem rumo
de Ti não sei.

JESUÍTA
Eu, que estava na rua,
Eu, que estava na Tua,

FELIPA
Eu, que estava na Lua.
Dorme em mim... coração.

ELE CAMINHA ATÉ DIANTE DELA, QUE O PERCEBE

FELIPA
Ela vem a tecer... tece.. tece...

JESUÍTA
Que oração estranha é essa?

FELIPA
Preciso convidar o prezado Jesuíta à dança?  Às sandálias do seu coração...

JESUÍTA
É preciso cuidados... Nem todos que navegam para o oeste chegam às Índias.

FELIPA
Muitos descobrem terras... Outros morrem... Delicia o viajar... “Navegar é preciso...”

JESUÍTA (sem esperá-la acabar)
“Viver é impreciso.”

FELIPA (após uma pausa, sorrindo)
“Navegar é preciso... Viver não necessário...”

JESUÍTA
Ei! Fala-se de precisão!

FELIPA
Fala-se de Viver...

JESUÍTA
Pede um pouco de Razão. É disto que falo!

FELIPA
Segurança... Cortes... Cúrias... É disto que fala?

JESUÍTA
Seja! Por que não?

FELIPA
O que sobrevive em mim sem meus sonhos?

JESUÍTA
“Queres aprender a orar, faça-Te ao mar.”

FELIPA
Queres aprender a orar? Seja o Mar...

JESUÍTA
Não teme os abismos?

FELIPA
Sou meus abismos... e... minhas montanhas.

JESUÍTA
São antitéticos.

FELIPA
Sou incoerente.

JESUÍTA
Não a aflige?

FELIPA
Dá-me prazer...

JESUÍTA
Ah! Felipa... Quem dobrou o Cabo das Tormentas... foi por ele devorado.

FELIPA
Que delícia... Quem teve maior prazer? O Devorador ou o Devorado? Quem foi descoberto?

JESUÍTA SORRI
Ah... Felipa... Tenha ciência das suas beiras...

FELIPA
Que limites são esses do infinito que não os que pensamos ver? Tem suas bordas? Bordas infinitas de infinitos infinitos em contatos infinitos com outros infinitos... como as vagas nos oceanos...

JESUÍTA SORRINDO
Para! Não me confundas. A pluralidade dos mundos não é piedoso imaginar... É iníquo o instável...

FELIPA
Sim... Deixai a nós... mulheres... esta multiplicidade... Não somos, nós, as inconstantes?

JESUÍTA
Multiplicidade é nossa... não d’Ele...

FELIPA
Bom Jesuíta... Percebe este calor de Vida em torno de nós?

JESUÍTA SORRINDO ABUNDANTEMENTE
Como conhecê-la sem apaixonar-se? Por meus votos... Tua fala aprimora perigos... embriaga...

FELIPA DÁ COM OS OMBROS AFASTANDO-SE
Canto cá eu, em meu canto, no meu canto que canto.

JESUÍTA OLHANDO PARA FELIPA, FALANDO, SEM QUE ELA OUÇA
Passo a passo... canto em mim...
Pureza d´Alma... Amor sem fim...

Sorrio e deliro... sigo... o vento vem...
Meu coração por Ti... e... mais ninguém...
Sirvo... Delicio... o querer o que já se tem...
Ser Teu... Só Teu... e de mais ninguém...

Estendo os braços... as lágrimas vêem...
Só Teu... Só Teu... e de mais ninguém...

Canto... A chuva cai... A noite turva...
Sigo Amando... a Ti... e é tanto bem...
Minha vida endireita... reencurva...
Só Teu... Só Teu... e de mais ninguém...

Calo... Olho a chuva... A noite avança...
Sigo amando... a Ti... Sou teu refém...
Minha corrente... Tua lança... Minha dança...
Só teu... Só Teu... e de mais ninguém...

Choro... em Ti... minha calma... e chama...
Sigo Amando... a Ti... A vida vem...
Tua presa... Minha igreja... Minha cama...
Só Teu... Só Teu... e de mais ninguém...

Repouso... Fecho os olhos... Sorrio... Feliz...
Ser... enfim... o que eu bem quis...
Ter na vida o melhor que me convém...
Ser Teu... só Teu... e de mais ninguém...

FELIPA CHEGA À JANELA, OLHANDO PARA O JESUÍTA, COLOCA OS BRAÇOS, COMO SE ESTIVESSE EMBALANDO UM NENÉM, E CANTA, SEM QUE AQUELE OUÇA:

Eu pintei o Teu Sol no meu Mar
E me vi, meio tonta, a sonhar
Eu fiquei, assim boba, sem ar
Não cansei, os Teus olhos olhar

Ah... Eu pulei... e dancei... e rodei
Eu cantei... Ave leve a voar
Ah... Eu sorri... e brindei... e reinei
Eu vivi ser em Ti só Teu par

Se esta Vida não quiser nos levar
Lá, muito além, deste belo bailar
Vou, com você... resonhar...
...
Outra vez... com você... resonhar...


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