domingo, 13 de maio de 2012

Canto 8


LUZ SOBRE O JESUÍTA


JESUÍTA. ENQUANTO FALA, APARECE A FIGURA DE FELIPA DESFILANDO, CONFORME SUA DESCRIÇÃO:
Doce mulher... Felipa de Souza... Foi declarada uma herética... de alma dada a práticas diabólicas... criatura em erro... atormentada por abominações. Vestiu o roupão de linho cru com pinturas de seus demônios, cheia de pesados guizos pendurados em seu corpo... Também uma tabuleta: “SODOMITA”...
Desfilou pelas ruas desta Cidade do Salvador sob rezas... e ofensas... A cabeça constrangida pela pesada máscara obrigava-a a só olhar o chão... A mordaça vil de couro cru lhe calava... Ouviu sua sentença na Igreja da Sé... com uma grossa vela a derreter por sobre a pele... Foi flagelada... trancada em uma solitária, teve pão e água por quinze sextas e nove sábados... Nunca teve seus dejetos recolhidos... Pagou as custas do processo... Acorrentada, imunda, foi levada até uma pequena nau... Dou graças porque foi somente desterrada. Que tenha sido somente isso... porque o que aconteceu, finalmente, com Felipa, após aquela madrugada, ninguém soube... Minha querida Felipa... Minha amada Felipa...


MERCEDES ADENTRA E OLHA PARA A LUA
Ah.. Se todos estes portos...
Se... todos estes tortos...
Se... todos estes corpos...
Se... todos estes mortos...
Pudessem falar...
Fugiriam as estrelas... secaria este mar... Escaparia... toda esta Vida... todo este ar...
Ah... Minha menina...
Essas crianças tão cedo idas...
Agora... Olhares ocos... escuros... foscos...
Tremores roucos...
Ah... Todos tortos...
Todos tontos...
Tantos prantos...
Tantos cantos...
Tantos contos...
E nenhum vagar...


VULTO DE FELIPA:
Quem sabe...
a Vida seja não sonhar...
Estes Mortos de Mim
Realizando... só assim
A mais perfeita oração
Neste Silêncio que se espraia
A Sete palmos sob o chão...
Vejo-os... mudos como a Lua
Deste peito tão sem rimas
Estes Pés que vão sem rua
Uma viola tão sem cordas
Nestes rumos que não mesclas
Os meus sonhos que não bordas
Nestas pregas às vias tortas
Ser uma estrela por inteiro
Neste clamar sem ver as portas...
Nesta vida que desbotas
Neste ser um fim... sendo só meio...
De dizer... que Te Amo...
Te Amo...


FELIPA CANTAROLA DE CÁSSIA ELLER:
“Quem sabe... eu ainda sou uma garotinha...”


Fim
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