domingo, 13 de maio de 2012

Canto 6


MERCEDES SENTADA SOZINHA, OLHANDO FELIPA APRISIONADA
E veio um vento...
que assenta dentro...
E veio um dia...
Que ao olhar ardia...

E veio o Amor...
Da suave pena...
Serena sorte...
Da Doce cena...
Ao profundo corte...

Amor...
Que mata a Vida
Que Vida a Morte

Amor...
Tornando fraco...
Forjando forte...

Amor...
Do não saber o quanto...
Do não saber o tanto...
Do não saber porquê...
Do só saber... Você...

ACENDE-SE UMA LUZ, MOSTRANDO FELIPA ACORRENTADA CARECA
Arrasto-me... Que mais?
Augúrio em vida... Contestar já não posso?
Esta luz, este raiar, mais nada?
Minha memória se vai?
Os meus se vão?
Tudo sete palmos no chão?

Fica a certeza ferida...
Meu momento, minha vida
Minha paixão, minha querida...
Vivi, amei, doeu...

Sou feliz... Que mais?
Se estive, fui, senti, cri...
Doeu, amei, fali, cresci...
Todo o resto... fica atrás...

MERCEDES, OLHANDO ATRAVÉS DAS GRADES
Te Olho... Te Vejo
Futuro... Desejo
Me Olha... Te Vejo
Prá que... Tanto Pejo?

Me Olha... Te Vejo
Vem cá... Meu Amor
Te Olho... Prevejo
Do meu prazer... tanta dor

Vem cá... minha Vida
Aí... tá tão escuro...
Vem cá... minha lida...
Contorna esse muro...
Vem cá... minha ferida...
Meu sonho e futuro...

Vem cá... Vem...
E me abraça e me enlaça
E me aperta e liberta...
Vem cá... Vem...
E me condena... à minha pena...
A só viver o Teu ser...
E me consome com gosto...
A mergulhar no prazer...
E me acena... E me ensina...
Só saber o Teu rosto...
E beber... em taça tão fina...
Por só sentir o Teu “Sim”
Buscando Tua rima...
Vivendo prá mim...
E deliciar minha sina...
Te servir... até o fim...”

FELIPA OLHA E VÊ MERCEDES. ESTENDE UMA MÃO, COMO QUERENDO TOCÁ-LA
Ah... Minha Criança... Minha Infância...
Vai Lua, chama emprestada a se por...
Primitiva... tortuosa... e brotou assim
Entranha, fulgor, chuva, vaga cavalgada
Dolorosa... mas... o melhor de mim...

Vivendo razão... Morte... Esquecimento
Das cinzas... frio de cor estranha
Brota aqui... Coração... Lamento
Saudade nua... Força tamanha

Ouço nadas sem fulgor,
Fantasmas... Percebam o fugidio!
Promessas à toa e dor
Passo eu ... um viés tão erradio

Sorriam tristes por passar!
Irmãs e irmãos que na Vida topar
O Viver é só uma lenda...
que se apressa em me matar...

O Viver... escura fenda
Mar errante perdido,
Que eu sei, paciente...
Não erra ao me apagar

FELIPA DEITA E PARECE DESMAIAR. EM DEVANEIO, OLHA E VÊ MERCEDES PASSAR PELAS GRADES E CHEGAR ATÉ ELA.

MERCEDES
Felipa... Meu anjo...

FELIPA
Chama-me Anjo?
Anjo... é cada momento, cada sentimento que nos toca...
É este sorriso travesso... este gosto de pipoca...
É cada lágrima que rola... cada sorriso que emana...
É esta gostosura travessa... de mel com banana...
Anjo... é cada ser que faz nossa vida valer o infinito...
É este bem querer afiado... é esta lembrança benfazeja...
É a Eternidade em cada instante vivido...
É esta Luz que me acompanha... esta penumbra em mim...
Anjo... é Tua face a brilhar e rebrilhar... até o fim dos meus dias... a partir do dia em que Te vi... pela primeira vez...
É correr e correr... brincar de pula... de estátua... adorar o que fiz e fez...
É Tua voz serena ou impiedosa... terna ou fria... a me provar que a Vida é a Vida... e que ela tem suas vias e cursos... e que nós a seguimos...
É Tu... a me relembrar que valemos pelo que sentimos...
Anjo... é saber-se ligeiro, ainda que com pés de chumbo...
É saber-se estático... apesar das asas ligeiras...
É seguirmos muito Além... destes momentos fugazes...
Anjo... é este sentimento por Ti que levarei para sempre comigo...
É esta memória serena em mim...
É cada lembrança... de Amor sem fim...
É este Tudo impondo-se ao nada...
Anjo... é... um sorriso... um dedo melado de doce... um gosto de goiabada...

BARULHO DE TROVÕES. ESCURECE UM POUCO. RELÂMPAGOS. BARULHO DE CHUVA.
FELIPA (SORRINDO, ARREGALANDO OS OLHOS, COM AR DE ASSOMBRO BRINCALHÃO):

Uuuuuuuuuuuuu.u.u.u.u.u.u.u.u.u.u.u.u.....
Venta Vida... Venta-me...
Venta aqui, Venta
Vem e Venta, Vento
Vem, Venta, Acalenta..
Vem e Venta
Venta o Amor Alenta
Vem... Venta...
Venta... Amor... Adentra...
Vem... Vento... Venta...
Venta à Vida desatenta
Vem Vento, Vento que Venta
Vem e Venta
Venta o sorriso atenta
Venta o querer aumenta
Vem... Vento... Venta...
Venta minha Alma lenta...
Vem... Vento... Vento... Venta...
Venta... minh’alma esquenta...
Vem... Venta... Vento... Venta
Venta e reinventa...
Vem... Vento... Venta
Venta oito ou oitenta...
Vem... Vento... Venta...
Venta... e o Amor...atormenta
Venta? Vento? Tormenta?
Ah... o Amor...
O Amor agüenta...
Uuuuuuuuuuuuu.u.u.u.u.u.u.u.u.u.u.u.u.....

MERCEDES Há outro jeito de você ser que não poetisa?

NO DEVANEIO DE FELIPA, SURGE O JESUÍTA. FICAM ELE E MERCEDES, CADA UM DE UM LADO DE FELIPA, QUE PERMANECE NO CHÃO.
CÔRO OCULTO:
Mulher que é macaca
Mulher piranha

JESUÍTA
Mulher que é santa

CÔRO OCULTO:
Mulher aranha
Mulher que apanha
Mulher que é anta
Mulher que arranha

MERCEDES
Mulher que me encanta

CÔRO OCULTO:
Mulher que assanha
Mulher que me mata
Mulher tão estranha

JESUÍTA
Mulher que me ata

CÔRO OCULTO:
Mulher numa sanha
Mulher desacata
Mulher que arreganha

MERCEDES
Mulher que eu quis

CÔRO OCULTO:
Mulher que chora

JESUÍTA
Mulher tão feliz
Mulher que adora
Mulher por um triz

CÔRO OCULTO:
Mulher perua
Mulher um presente
Mulher toda nua

MERCEDES
Mulher que me sente
Mulher tão na Tua

JESUÍTA
Mulher que me escapa

CÔRO OCULTO:
Mulher que é puta

MERCEDES
Mulher que sorri
Mulher tá na luta

CÔRO OCULTO:
Mulher maldita

JESUÍTA
Mulher que reluta
Mulher toda o fundo

CÔRO OCULTO:
Mulher que degluta
Mulher... num segundo

MERCEDES
Mulher... doce fruta...

FELIPA CANTA:
“Vem...
meu coração... de cristal...
E me Ama... tão leve assim...
Um coração... de cristal...
Vem... e chama...
tão breve em mim
Um coração.. de cristal...
Uma vela... meu porto... enfim...

Ah...
Vento... espuma... sem final...
“Sê por mim!”
Ah... meu coração...
Ah.. meu sem fim...
“Sua.... enfim!”

Vem cá me fazer...
Ser assim...
Vem cá me dizer
Sê em mim...

Ah... meu coração....
Um Cristal
Ah... minha canção
Anjo bom...
“Seu, enfim!”

Ah...
meu coração... de cristal...
E me Ama... tão leve assim...
Um coração... de cristal...
Vem... e clama...
tão breve em mim

Ah...
Vento... espuma... sem final...
Sê por mim!
Ah... meu coração...
Ah.. meu sem fim...
“Sua... enfim!”

Vem cá me fazer
Ser assim...
Vem cá me dizer
Sê em mim...

Ah... meu coração....
Um Cristal
Ah... minha canção
Anjo bom...
“Seu, enfim!”

Vem...
meu coração... de cristal...
E me Ama... tão leve assim...
Um coração... de cristal...
Vem... e... Vida...
tão breve em mim...”

MERCEDES E JESUÍTA AFASTAM-SE E DESAPERECEM
FELIPA, OLHANDO PARA O LUAR QUE PENETRA PELA JANELA...

Lua mansa...
CÔRO OCULTO:
Lúcifer!
FELIPA ELEVANDO A CABEÇA
Um Anjo eu sou?
Sou o Início,
Sou o Mar...

Anjo perdido...e... preso...
Rejeitado... e Sozinho...
Vocês? Espectros... e... gelo...
Eu? Fuga... e caminho

Anjo sou... repito
Meu delito? Paixão...
Vocês... acredito...
Frieza... e Razão...

Lágrimas ardentes
Piegas mas quentes,
Eu? Só... Anjo Sozinho!...
Eu? Anjo tão sozinho...

Nada o vento traz
Rejeição ou carinho,
Eu... tranqüilo, tenaz
Infindo o meu caminho

Não... Arrede perdão!...
Não vede meu temor!...
Deixe-me... Anjo Sozinho!...
Em meio à minha dor...

Em meu peito, a tempestade
Em meu eu... não importa...
E eu aqui... Anjo Sozinho
Começando a sonhar...

Sonhar diferente de tudo
Sem angústia... sua razão,
Por estar aqui... sozinho
Esquecer em profusão

Ria! Ria agora Punição

CÔRO OCULTO:
Seu crime? Foi a Paixão!
Ah... Ainda não escutas?

FELIPA:
Canalhas! Corjas dos Céus!
Fora daqui entes velados!
Eu e minhas correntes?
Paixão! Seres gelados!

Pago... Venceram!
Mas, no final, venço eu!
Venço sempre... ouviram?!
Amei e amo! Eu sou eu!!!...

Não distância... frieza...
Racional... tristeza...

Venço eu!!! Improviso... Tesão!!!
Venço eu!!! Impreciso... Tensão!!!
Venço eu!!! Anjo Louco... Paixão!!!
Venço eu!!! Meu Amor... Minha Canção!!!

MANOEL FRANCISCO – NOTÁRIO, ADENTRA
Amordacem-na!

Nenhum comentário: